Escola de Referência Abílio de Souza Barbosa
Professora Jaqueline Santos
Disciplina: Português Área: Literatura
Leitura Complementar
EUCLIDES DA CUNHA EM Os Sertões
O autor fizera a cobertura do conflito de
Canudos para o jornal "O Estado de S. Paulo" e seu livro foi escrito
com base nos acontecimentos que presenciou naquela região.
Obra
publicada em 1902 por Euclides da Cunha, Os Sertões é um misto de
literatura com relato histórico e jornalístico. É uma resposta realista e pessimista
à visão ufanista do Brasil, simbolizada pela obra do Conde Afonso Celso Porque me Ufano do Meu País. Em 1897, Euclides
da Cunha havia sido enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo, como
correspondente, ao norte da Bahia para fazer a cobertura do conflito no arraial
de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro. Com base no que viu e no que
pesquisou depois, escreveu seu livro.
CIÊNCIA
LITERÁRIA
Dividido
em três partes - A Terra, O Homem e A Luta -, o livro ganhou status de obra
literária em virtude do estilo apurado e impecável de Euclides da Cunha.
A
primeira parte, A Terra, pode ser vista como um estudo geográfico escrito em
forma literária. Seguindo os princípios positivistas, o autor descreve de forma
minuciosa as características do meio sertanejo. Ao traçar a rota do sudeste,
partindo do litoral em direção ao sertão, Euclides da Cunha, com olhar
científico, leva o leitor por um árido percurso descritivo.
O
vocabulário técnico empregado afastaria essa narrativa da conceituação clássica
de literatura. Porém, o estilo empregado pelo narrador dá à obra um ritmo
peculiar. Isso se deve à cadência formal (representada pelas construções
sintáticas), que imita o movimento de entrada no sertão. Dessa forma,
percebe-se uma preocupação estética: o narrador busca, no plano da forma,
reproduzir, ou imitar, o conteúdo do texto.
Se
a primeira parte se aproxima do estudo geográfico, a segunda (O Homem) pode ser
confundida com um texto antropológico. De acordo com a estética naturalista,
fortemente amparada pela filosofia de Taine - na qual o homem é determinado
pela tríade meio/raça/história -, essa parte representa o aprofundamento de
análise da raça sertaneja.
A
Luta, terceira parte do livro, narra a batalha entre o litoral desenvolvido e o
interior atrasado. A princípio, Euclides da Cunha, que compartilha as idéias do
povo litorâneo, enxerga os acontecimentos no arraial de Canudos como uma
revolta. No decorrer da narrativa, porém, essa posição se altera gradativamente
até a compreensão de que os sertanejos constituíam um povo isolado e, por isso,
homogêneo.
Essa
homogeneidade se deve a um isolamento histórico provocado pelo esquecimento
civilizatório, que os manteve distantes do desenvolvimento litorâneo.
ENREDO
A
TERRA - De um ponto de
vista privilegiado, elevado, o narrador inicia uma série de descrições que,
como foi dito, se aproximam de uma tese científica. Passando seu olhar arguto
por análises biológicas, climáticas e geográficas, ele descobre o espaço do
sertão. Começa pelo planalto central e chega até o norte da Bahia, no arraial
de Canudos.
Nessa
descrição, Euclides da Cunha estuda de maneira detalhada o meio que determinou
a formação do homem sertanejo. Isso serve de ratificação da teoria
determinista, muito em voga na época, que postulava a determinação do meio
sobre o homem.
O
seguinte trecho é bastante ilustrativo, tanto do ponto de vista formal quanto
do metodológico, dessa primeira parte do livro: "Do alto da Serra de Monte
Santo atentando-se para a região, estendida em torno num raio de quinze léguas,
nota-se, como num mapa em relevo, a sua conformação orográfica. E vê-se que as
cordas de serras, ao invés de se alongarem para o nascente, medianas aos
traçados do Vaza- Barris e Itapicuru, formandolhes o divortium aquarum,
progridem para o norte. Mostram-no as serras Grande e do Atanásio, correndo, e
a princípio distintas, uma para NO e outra para N e fundindo-se na do Acaru,
onde abrolham os mananciais intermitentes do Bendegó e seus tributários
efêmeros. Unificadas, aliam-se às de Caraíbas e do Lopes e nestas de novo se
embebem, formando-se as massas do Cambaio, de onde irradiam as pequenas cadeias
do Coxomongó e Calumbi, e para o noroeste os píncaros torreantes do Caipã.
Obediente à mesma tendência, a do Aracati, lançando-se a NO, à borda dos
tabuleiros de Jeremoabo, progride, descontínua, naquele rumo e, depois de
entalhada pelo Vaza- Barris em Cocorobó, inflete para o poente, repartindo-se
nas da Canabrava e Poço-de-Cima, que a prolongam. Todas traçam, afinal, uma
elítica curva fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga
planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos - e daí para o norte, de
novo se dispersam e descaem até acabarem em chapadas altas à borda do S.
Francisco."
O
HOMEM - Partindo de uma
análise da gênese antropológica das raças formadoras do homem brasileiro, o
narrador decreta a impossibilidade de unidade racial, ou seja, no Brasil seria
impossível termos uma raça homogênea.
Porém,
devido ao isolamento dos paulistas desbravadores que se tornaram vaqueiros do
São Francisco, pode-se dizer que se criou nesse povo certa homogeneidade.
O
narrador discorre, também, sobre as tradições sertanejas dos vaqueiros,
descrevendo com minúcias seu modo de vida.
Em
virtude de fazer parte de uma família cearense que se envolvera em querelas na
região, além de ter perdido sua mulher para um policial, Antônio Conselheiro
embrenhou-se pelo sertão sem rumo certo, peregrinando pelas cidades. Ele tinha
uma imagem messiânica, profética: trajava roupão azul, com uma cabeleira por
cortar e desgrenhada, carregando um bastão. Essa imagem favoreceu sua
associação com uma figura mística, que serviu como uma luva para o povo
fanático e desvalido. A formação
do povo brasileiro é assim descrita por Euclides da Cunha:
"Conhecemos,
deste modo, os três elementos essenciais, e, imperfeitamente embora, o meio
físico diferenciador - e ainda, sob todas as suas formas, as condições
históricas adversas ou favoráveis que sobre eles reagiram. No considerar,
porém, todas as alternativas e todas as fases intermédias desse entrelaçamento
de tipos antropológicos de graus díspares nos atributos físicos e psíquicos,
sob os influxos de um meio variável, capaz de diversos climas, tendo
discordantes aspectos e opostas condições de vida, pode afirmar-se que pouco
nos temos avantajado. Escrevemos todas as variáveis de uma fórmula intricada,
traduzindo sério problema; mas não desvendamos todas as incógnitas.
É
que, evidentemente, não basta, para o nosso caso, que postos uns diante de
outros o negro banto, o indo-guarani e o branco, apliquemos ao conjunto a lei
antropológica de Broca. Esta é abstrata e irredutível. Não nos diz quais os
reagentes que podem atenuar o influxo da raça mais numerosa ou mais forte, e
causas que o extingam ou atenuem quando ao contrário da combinação binária, que
pressupõe, despontam três fatores diversos, adstritos às vicissitudes da
história e dos climas.
É
uma regra que nos orienta apenas no indagarmos a verdade. Modifica-se, como
todas as leis, à pressão dos dados objetivos. Mas ainda quando por extravagante
indisciplina mental alguém tentasse aplicá-la, de todo despeada da intervenção
daqueles, não simplificaria o problema."
A
LUTA - O conflito de
Canudos surgiu de uma pequena desavença local. Antônio Conselheiro havia
encomendado e pago um lote de madeiras para a construção de uma igreja no
arraial de Canudos.
Como
o lote não foi entregue, houve uma ameaça de ataque à cidade de Juazeiro. O
juiz da região pediu ajuda ao governador da Bahia, que, não conseguindo
resolver a situação, solicitou a presença das tropas federais. Antônio
Conselheiro também era acusado de sonegador de impostos e de ser
antirrepublicano, por manifestar-se contra a dissociação entre Estado e Igreja
no casamento - medida surgida com o advento da República.
Esses
foram os argumentos oficiais do governo brasileiro para o ataque ao arraial de
Canudos.
Este
trecho de Euclides da Cunha descreve a situação no final dos combates: "A luta, que viera
perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente.
Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando,
movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e
por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem
distintivos e sem fardas. Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam
resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto
e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava
quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns
vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um
suicídio formidável. Chamou-se aquilo o "hospital de sangue" dos
jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos,
alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação
e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas
concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas,
combatiam contra um exército. E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelo menos
fizeram parar os adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram,
aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se,
salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de
fardas e entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39o, que lá entrara,
baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último
recontro feliz e fácil: romperam pelos últimos casebres envolventes, caindo de
chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os..."
MONTEIRO LOBATO EM "Urupês" - resumo e análise
Urupês e o nascimento de Jeca Tatu
"Urupês", obra
publicada originalmente em 1918, reúne ao todo 14 contos de Monteiro Lobato.
Segundo o prefácio da 2a. Edição do livro, esta obra surgiu do artigo “Velha
praga”, publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo no ano de 1914.
Na época, Monteiro Lobato dedicava-se ao trabalho na fazenda que recebeu como
herança de seu avô e amargava um ano terrível por conta da seca. Além do
problema causado pela seca do inverno, Monteiro Lobato estava exausto das
constantes queimadas praticadas pelos caboclos. Por conta disso, ele resolveu
escrever uma carta de indignação ao jornal, que viu naquele texto algo muito
valioso e o publicou fora da seção de cartas dos leitores. “Velha praga” causou
grande impacto e polêmica, fazendo com que Monteiro Lobato publicasse outros
textos que dariam origem ao livro "Urupês".
Um destes textos, cujo título dá
nome ao livro (“Urupês”), dá vida ao que seria sua mais famosa personagem: o
caboclo Jeca Tatu. Se o índio surgira como modelo ideal do brasileiro para os
escritores do Romantismo da fase indianista, a figura do caboclo aparecia como
seu substituto moderno – ao que Monteiro Lobato chamou de “caboclismo”. Porém,
o caboclo de Monteiro Lobato não era em nada idealizado, mas ao contrário,
trazia suas características negativas enfatizadas e o seu símbolo máximo é a
personagem Jeca Tatu.
A personagem de Jeca representa
toda a miséria e atraso económico do país de então, e o descaso do governo em
relação ao Brasil rural. Jeca Tatu foi caracterizado por Monteiro Lobato como
um homem desleixado com sua aparência e higiene pessoal, sempre de pés
descalços e que mantinha uma pequena plantação apenas para subsistência. Sem
nenhum tipo de educação e cultura, Jeca Tatu era um homem ingênuo e repleto de
crendices. Por fim, era visto pelas pessoas como um alcoólatra e preguiçoso.
Porém, como afirma Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”,
percebe-se através do texto que Jeca é uma vítima do descaso do governo.
Além do surgimento de uma das
personagens mais icônicas da literatura brasileira (Jeca Tatu), Urupês trouxe
uma série de inovações e sua importância se estende até os dias atuais. Uma
delas diz respeito à linguagem empregada no livro. Monteiro Lobato estava
preocupado em reproduzir nos seus textos a riqueza da fala brasileira da zona
rural, com seus coloquialismos e neologismos tipicamente orais. De acordo com a
crítica literária, o recurso da oralidade foi a maior ousadia do escritor em
Urupês, pois nessa época o uso do português coloquial em obras era visto como
algo “inferior” e sem valor literário. Dessa forma, pode-se dizer que Urupês é
uma obra que de certa forma antecede as convenções estilísticas propostas pelos
modernistas da Semana de 22.
Ainda com relação à linguagem
empregada por Monteiro Lobato, é interessante notar a grande influência que
Urupês teve sobre a língua portuguesa falada no Brasil. A partir do livro
surgiram diversas palavras e expressões que hoje são dicionarizadas, como por
exemplo o termo “jeca”, que vem da personagem Jeca Tatu e passou a ser sinônimo
de “caipira”, “morador da zona rural” ou ainda “pessoa de hábitos
rudimentares”.
Por fim, é importante ressaltar
que a importância de Urupês não ficou restrita ao campo literário através de
suas inovações estilísticas e linguísticas, mas teve também grande influência
na indústria e no mercado cultural do Brasil. Isso porque até a Primeira Guerra
Mundial, grande parte dos livros brasileiros eram impressos na Europa através
de editoras estrangeiras, principalmente as francesas. Monteiro Lobato
modificou essa forma editorial ao imprimir por conta própria o livro Urupês nas
oficinas do jornal O Estado de São Paulo.
Com o dinheiro arrecadado com a
venda de sua fazenda, Monteiro Lobato comprou a Revista do Brasil em 1918 e
passou a publicar, além de suas próprias obras, livros de diversos outros
escritores. Posteriormente, a Editora da Revista do Brasil passaria a se chamar
Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato e, após o colapso dessa, ressurgiria como
Companhia Editora Nacional, que é a maior do Brasil e uma das maiores da
América Latina. Assim, pode-se dizer que Monteiro Lobato lançou a indústria
nacional do livro através da publicação de Urupês.
EU - AUGUSTO DOS
ANJOS
O amor da humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.
A
poesia de Augusto dos Anjos – paraibano nascido no século passado – é de um
materialismo quase brutal, embora seja no fundo, obra de um idealista, que não
detestava – em absoluto – o amor, mas queria-o em seu estado impossível,
espiritual, etéreo. Ledo engano de quem tomar o poeta materialista em filosofia
como um materialista nos sentimentos. Augusto, bardo incomum, estranho,
magérrimo, era todo humanidade: leal, cortês, honesto, coisas raras de
encontrar naqueles tempos e ainda hoje. Mas foi também poeta da morbidade, da
descrença, da morte.
É
de Orris a seguinte descrição de Augusto dos Anjos: “Foi magro meu desventurado
amigo, de magreza esquálida – faces reentrantes, olhos fundos, olheiras
violáceas e testa descalvada. A boca fazia a catadura crescer de sofrimento,
por contraste do olhar doente de tristura, e nos lábios um crispação de demônio
torturado. Nos momentos de investigações suas vistas transmudavam-se rápido, crescendo,
interrogando, teimando. E quando na narinas se lhe dilatavam? Parecia-me ver o
violento acordar do anjo bom, indignado da vitória do anjo mau, sempre de si
contente na fecunda terra de Jeová. Os cabelos pretos e lisos aparentavam-lhe o
sombrio da epiderme trigueira. A clavícula, arqueada. Na omoplata, o corpo
estrito quebrava-se numa curva para diante (...). Essa fisionomia, por onde
erravam tons de catástrofe, traía-lhe a psique. Realmente, lhe era a alma uma
água profunda, onde, luminosas, se refletiam as violetas da mágoa”.
Augusto
dos Anjos publicou um único e afortunado livro, Eu, obra em que
cantou a matéria, idealizando-a, revelando-a sob uma rutilante (e até rosnante)
combinação de palavras por vocábulos esdrúxulos e cientificistas que concorreram
para agravar o seu pessimismo lacerante. Cantou, como Baudelaire, as misérias
da carne, a putrefação dos corpos, monista violento:
Já o verme – este
operário das ruínas –
Que o sangue podre das
carnificinas
Come, e à vida em geral
declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos
para roê-los,
E há de deixar-me apenas os
cabelos,
Na frialdade inorgânica da
terra!
(“Psicologia de um Vencido”)
Na
opinião de Alfredo Bosi, Augusto dos Anjos deve ser visto como um poeta
poderoso, que deve ser mensurado por um critério estético aberto, capaz de
abrigar e reconhecer, além do “mau gosto” do vocabulário rebuscando e
científico a dimensão cósmica e a angústia moral de
sua poesia. Bosi avalia que a dimensão cósmica vem em primeiro
lugar, porque Augusto dos Anjos centrava no ser humano, de maneira obsedante,
todas as energias do universo que teriam se encaminhado para a construção do
mistério que é o “eu”.
Ademais,
o evolucionismo de Augusto expressa-se bem em versos como esse: de “Psicologia
de um Vencido”.
Eu, filho do carbono e do amoníaco
A
postura existencial do poeta, apela ao universo do distanciamento científico:
uma angústia esmagadora cresce e se avoluma diante da fatalidade que conduz os
homens à senda inevitável da putrefação. Toda carne infalivelmente irá se
decompor um dia. Interpretação poética do cosmos e desespero particular
descambam num lamento das coisas, sentimento doloroso, a raiz de todas as dores
está na vontade de viver:
VERSOS ÍNTIMOS
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a vespera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija
A IDÉIA
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegração maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…
Quebra a força centrípeda que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme este operário das ruínas
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialidade inorgânica da terra!
SOLITÁRIO
Como um
fantasma que se refugia
Na
solidão da natureza morta,
Por trás
dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui
refugiar-me à tua porta!
Fazia
frio e o frio que fazia
Não era
esse que a carne nos conforta...
Cortava
assim como em carniçaria
O aço das
facas incisivas corta!
Mas tu
não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí,
como quem tudo repele,
— Velho caixão
a carregar destroços —
Levando apenas na tumbal carcaça
O
pergaminho singular da pele
E o
chocalho fatídico dos ossos!